Eu tive uma infância incrível. Eu morava num apartamento com meus pais, mas tinha um avô com a casa enorme no "interior" onde sempre passava [todas] as férias. E amava. Eu era daquelas crianças calmas que quando ia pra casa do avô se revelava: ia pra rua jogar queimada com os amigos, tomava sorvete, soltava pipa, pião, jogava videogame e, no fim da tarde, a gente chupava manga e se lambuzava todo, relembrando o dia.
Uma infância saudável, eu diria.
Na igreja também, música sempre foi o meu forte. Eu cantava no coral infantil, encenava, participava do culto missionário, era aluna assídua da EBD... Pra mim, o domingo era o melhor dia da minha semana.
Embora ir pra casa do Vô fosse maravilhoso, nada me fazia mais feliz do que aquele prédio branco no Jardim Botânico. Grandes pessoas fizeram parte da minha história ali, tanto pra mim quanto pra minha família, são pessoas que nunca saíram da minha casa mesmo quando foi a minha vez de ir para o "interior".
O tempo foi passando, me firmei numa nova igreja, fiz novos grandes amigos e, com aqueles antigos, continuava me correspondendo como podia: cartas, telefone, email... . Eram declarações de amizade eterna, de um amor que não ia acabar, mesmo com toda a distância.
Só que chegou um momento em que os afazeres diários nos fizeram espectadores da vida uns dos outros, e não mais atores delas.
Vi a evolução: amigos que correram atrás, estudaram, se formaram, encontraram o sentido de suas vidas e hoje, se transformaram em homens e mulheres bem sucedidos. Formaram lindas famílias, tiveram filhos e hoje me aconselham a fazer o mesmo.
Esses eu sei onde encontrar.
Mas vi a involução: vi amigos negarem a sua família por "amores" que não duraram nada;
outros, maltrataram pai e mãe por simples bel-prazer;
incorporaram personagens "felizes para sempre" que sempre sorriem, nunca jorram uma só lágrima, barbies e príncipes que não expressam sentimentos;
viveram uma vida de prazeres instantâneos e passageiros, que duram uma noite, uma dose, um tapa, uma tragada;
entregaram seus corpos a homossexualidade;
a sexualidade, perdendo a pureza que nos fazia sonhar com o vestido branco;
trocaram de namorado como quem troca de roupa, em busca do mais bonito, do mais rico;
partiram corações pela promiscuidade, mentiram com requinte;
buscaram a popularidade e não mais a singularidade que nos fazia criar apelidos uns para os outros;
fizeram os pais chorarem no travesseiro à noite por desgosto ou por orarem, de joelhos, durante toda a madrugada, fizeram deles pais perdidos;
viram suas famílias serem destruídas e, simplesmente disseram: "Sei fazer pior";
E o mais doloroso de tudo:
Abandonaram a sua fé porque passaram a acreditar somente em si próprios.
Esse texto não é sobre como as pessoas mudam, porque sei que elas mudam, pra pior ou pra melhor - o que é um conceito pessoal. Mas é sobre como me dói ver cada vida que fez parte da minha, ir por caminhos que eu sei onde vai dar: numa tristeza tão profunda que no final a gente vai achar que não tem mais como sair dela.
Eu sei que muitos deles deveriam mesmo sair da minha vida, alguns pra sempre, mas outros eu deveria encontrar por onde eu vou, no meio do caminho. Mas não.
Eu só fico me perguntando se eu deveria ter feito algo diferente, porque se eu deixei passar, eu quero fazer agora, mesmo que não adiante. Não pra me ausentar de culpa, mas porque quero vê-los bem.
"AMIGOS,
Eu sei que muitos de vocês sabem que se incluem nesses exemplos. Sei ainda que podem se sentir ofendidos ou magoados, mas eu não faria nada com essa intenção. Vocês sabem que eu sou o tipo de pessoa que tenta abraçar o mundo, muitos já até brigaram comigo por isso, e é o que tô tentando fazer agora: abraçar vocês e dizer que a tristeza que vocês sentem no final do dia tem cura. Que o prazer que vocês sentem no que fazem pode ser maior, inacabável e verdadeiro. E tudo isso porque eu amo vocês e nunca os esqueci, de nenhum.
Vocês são minha oração todos os dias, ainda mais por serem parte de mim.
Quero o bem de vocês sempre, a felicidade plena."
"Se você achar que deve fazer alguma coisa, faça-a.
Mesmo que ela seja IRRELEVANTE."
(Gandhi)